terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Velhos...como os trapos

O baralho das cartas corre de mão em mão, cartas coçadas do manuseio, sebosas da arrastar nas mesas, nódoas de algum pingo de vinho caído sobre a fórmica da cobertura. Ele ajeita o boné que lhe cobre a quase calva cabeça onde, brancos como se fossem fios de neve escorrendo, alguns pelos teimam em resistir. Coça a própria cabeça numa longa pausa que não lhe era habitual. O parceiro seguinte desespera com a demora mas daqui a pouco será a sua vez de ajeitar o chapéu preto de abas curtas. Joga uma bisca de copas, temeroso. Só o Ás lhe poderá levar a vasa, mas pelas suas contas já terá ficado para trás. A não ser que a memória o tenha atraiçoado. A memória atraiçoa-o por vezes, mesmo quando senta no colo o neto e lhe conta uma história antiga. Por vezes confunde o Lobo Mau com o Pinóquio. Não, não, avô o Lobo Mau não é desta estória. O Ás de copas também não seria daquela história. Sorri quando a vitória também lhe sorri. Depois bebe um copo de vinho, limpa com as costas das mãos os cantos da boca. Cambaleia um pouco a caminho de casa e se não fosse a memória saberia que teria sermão ao trespassar a ombreira da porta. Mas ela, diz-lhe de repente a memória, ela já não existe. Talvez esteja no Céu a ralhar com ele...

Sem comentários: